Daniel Feingold

31 jan - 13 mar_ 2014

Daniel Feingold

A Colocação do Espaço, a Permanência do Tempo:
Obra Recente de Daniel Feingold

Muitas vezes, diante de uma pintura de Daniel Feingold, minha primeira indagação é: Como começa? Qual a fonte – visual ou outra – de referência? Assim tem sido desde meu primeiro contato com a obra de Feingold, há quase quinze anos. Feingold é sempre paciente, reserva à minha pergunta um momento de reflexão antes de responder. Esta é a natureza do artista, a forma como enfrenta suas questões como pintor. Para mim, é um alívio, especialmente em Nova York, onde palavras são ditas como se houvessem sido ensaiadas. Depois de algum tempo, todas parecem soar da mesma forma. Todas se dispersam na mesma atmosfera conformista – as mesmas palavras, a mesma linguagem, como se falar sobre pintura fosse o mesmo que enviar um e-mail ou uma mensagem de texto incidental. A linguagem logo se transmuta em retórica sem espírito nem memória. Nesse aspecto, Feingold é claramente diferente.

Quando Feingold fala, parece estar possuído por uma espécie de dúvida kierkegaardiana, dando a entender que cada pintura possui sua própria origem, apesar de sua estreita coerência visual com outras obras afins. Poucos pintores eu posso comparar com Feingold, e eles tendem a ser artistas históricos. Por exemplo, posso me imaginar escutando Barnett Newman, ou até mesmo Pollock (artista que Feingold sempre admirou profundamente), que, em minha opinião, expressaram um sentimento de dúvida semelhante. Independentemente dos anos de prática, as experiências e tribulações para compor uma pintura substancial sempre demandaram tempo e, portanto, a linguagem falada em relação à pintura também. O início é uma questão de se trabalhar tanto com o tempo quanto com o espaço. Pode parecer que Feingold reluta em se retirar do tempo instilado em suas pinturas. Embora pareçam estáticas, não são. O tempo é incorporado nelas como a forma sobre uma superfície. Descobrir o tempo em uma pintura é um processo perpétuo, contínuo. De modo geral, não tenho certeza se faz alguma diferença um quadro ser figurativo ou abstrato. Trabalhar com o tempo a seu favor, seguir junto com ele no ato da pintura, é um dom. Idealmente, é como a pintura deveria vir a acontecer. Presumo que Feingold tenha sua própria linguagem para expressar esta ideia. O primeiro pensamento a respeito de uma pintura ou em relação a uma pintura é, em sentido concreto, seu verdadeiro início.

Como suas fotografias são mais recentes e valem-se de objeto empírico ou identificável no mundo visual externo, sinto-me menos inclinado a inquirir sobre as fontes. A esse respeito, pintura e fotografia diferem. No caso da pintura de Feingold, a fonte evolui do interior e, talvez, indiretamente de um ponto de vista expressionista. Refiro-me à série Yahweh. Embora o processo envolvido na composição de suas pinturas seja automático (até certo ponto), assim que a viscosidade do pigmento de esmalte preto começa a diminuir, a tinta escorre repartindo-se em uma série de linhas. Isto é possível porque a superfície do terbrim da tela é levemente inclinada em relação à parede. O volume de pigmento em cada aplicação de tinta parece ser relativamente consistente. Algumas vezes o volume cobre até metade ou um terço da área até a borda inferior, ao passo que, em outras ocasiões, quase atinge a borda inferior, embora não totalmente. Esse processo lembra ironicamente as pinturas protoconcretas, neoplástico-concretas de Mondrian, que claramente discerniu a importância de a linha não chegar à borda, mas muitas vezes quase atingi-la. Para Mondrian, isso permitia certa mobilidade no espaço, à medida que o olho se movia entre planos, de um para outro, sem interrupção.

Nas pinturas da série Yahweh de Feingold (2013), a referência à vitalidade da aplicação da tinta, em contraste com o estilo hard-edge do artista holandês, se mostra significativa. Apesar do formidável controle de Feingold sobre como as discretas áreas de esmalte preto são aplicadas na superfície do terbrim, o processo calculado acaba por se prestar a uma estética expressionista. A escolha, por Feingold, do “Deus” dos judeus como título de sua série sugere mais do que um processo estritamente formal. A maneira pela qual a tinta escorre e se transforma em uma espécie de escrita ou escritura (écriture) não é destituída de significado. Pelo contrário, é a verdadeira essência que o artista vem tentando obter, como se a aleatoriedade relativa da ação do esmalte fizesse parte de um plano ou sistema aleatório, um universo construído por um impulso criativo, indicando uma espécie de espelho ou reflexão sobre o significado do ato criativo. Nesse sentido, Feingold aproxima-se do conceito do “zip” de Newman dentro do campo pictórico como símbolo da luz divina ou intervenção da presença de Deus na história judeu-cristã. No mesmo instante, ocorre a aplicação rítmica da tinta, remetendo ao que Pollock falava sobre a necessidade de estar dentro da pintura. Isto também se reflete na necessidade de Feingold de ser congruente com o tempo, como quando algum aspecto de uma pintura começa a se formar diante de seus olhos.

Depois que o esmalte preto atinge sua estase na superfície e endurece, o painel não permanece mais na posição vertical. Em vez disso, o artista o coloca em posição horizontal, alinhando-o com um segundo painel para criar um díptico. E é então – e somente então – que o ponto de vista expressionista começa a surgir. Antes disso, a obra é apenas um painel pintado de preto que exige um segundo painel para encontrar sua resolução. É questionável se o termo renascentista “díptico” é apropriado aqui. Na maior parte das vezes, um díptico era geralmente projetado para o exterior de um retábulo e incluía um tema diferente (um santo diferente) em cada painel. Embora cada tema fosse diferente, os dois eram dependentes de um tema único envolvendo a mitologia cristã. Na série Yahweh de Feingold, os dois painéis se unem para formar “uma terceira voz”, por assim dizer. Aqui, a referência a Newman é de interesse, em particular por sua obra Onement (Unicidade, 1948) em que uma pincelada expressionista vermelho-alaranjada desce na vertical pelo centro de um campo castanho. Neste caso, em vez de separar a pintura em duas metades, a linha vermelha vertical ativa o espaço e, assim, une afirmativamente o quadro. De modo análogo, quando Feingold junta os dois painéis horizontais em uma única pintura, a obra ganha um senso ativado de “unicidade” e, portanto, reitera a escritura do Antigo Testamento sobre Deus como divindade singular e todo-poderosa.

Em comparação com a série Yahweh, as pinturas da série Structure (Estrutura), também de 2013, admitem uma abordagem semelhante diante da pintura, concentrando-se na grade e, portanto, afastando-se de qualquer alusão ao expressionismo. Em lugar de escorrimentos a partir de manchas orgânicas, como na série Yahweh, as pinturas são feitas de eventos singulares de despejo de tinta, altamente controlados, sugerindo uma versão mais compacta de Mondrian. Ao invés de se movimentar linearmente em uma única direção, as linhas escorridas de Feingold se entrecruzam, usando cores – especialmente primárias – que dão uma aparência mais exuberante, embora contida, à superfície. São pinturas incríveis, não apenas em sua execução, mas também em cada detalhe de sua aparência. São originais, vitais e circunspectas, a ponto de podermos explorar a complexidade de sua evolução no tempo. Feingold domina cada centímetro de suas superfícies, sem abrir mão do controle total. Ele permite ainda que os acidentes produzam um efeito painterly e, assim, se alinha com um tipo de reciclagem pós-moderna das formas anteriores de abstração ou concreção colocadas inequivocamente no presente.

E as fotografias? Onde se situam na obra de Feingold? Eu diria que as árvores também têm a ver com espaço e, neste sentido, têm a ver com pintura. Creio que o fato de elas remeterem à disposição do espaço é coerente com a maneira como Feingold lida com a foto, em termos de como ele enquadra o tema natural nos limites da tela. Suas fotos são naturalmente caligráficas, o que poderíamos entender como consistentes com o atual conjunto de pinturas. Seja na pintura ou na fotografia, a obra de Feingold sempre foi caligráfica no já mencionado sentido da escritura. Sua obra é uma busca persistente de um partido sistêmico. É um tipo de escrita pictórica, uma condensação de palavras que invocam sua consciência de pintor. O que vejo nessas árvores, apresentadas singularmente ou em conjuntos de duas ou três, é que brincam com o espaço. Estão em busca de uma colocação. Procuram enquadrar essa caligrafia natural em um espaço, em geometria sem angst, sem ossificação, tornando-a tão vital quanto as pinturas escorridas em que seu fantástico controle é para sempre manifesto. A fotografia, para Feingold, é simplesmente outra ferramenta pela qual se descobre a pintura. Nesse sentido, suas fotos oferecem um complemento necessário ao seu ponto de referência nesta exposição – a colocação do espaço e a permanência do tempo como essenciais para o ato de pintar.

Robert C. Morgan